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Conteúdos que são narrativas no jornalismo

Você pode ser jornalista, publicitário, empreendedor, consultor, palestrante, professor. Não interessa. Storytelling faz parte da sua vida e é uma questão de escolha transformar o conteúdo que você produz e comunica em uma narrativa.

Na essência, isso significa um conteúdo que gere empatia, traga conflito, viradas, promova transformação e seja verdadeiro, como abordei no post sobre os cinco princípios de uma boa narrativa.

E isso independe de você ter muito ou pouco tempo para construir e contar essa história. A diferença básica está no nível de profundidade e do engajamento gerado com o público.

Vamos ver isso em uma série de três posts onde vou analisar casos de conteúdos de naturezas bem distintas.

Jornalismo: Conteúdos de fatos, que os jornalistas e todo mundo que produz conteúdo conhece bem.
Publicidade: Conteúdos de marcas, do qual publicitários e marketeiros manjam muito. Ou pelo menos deveriam.
Negócios: Conteúdos de negócios, que empreendedores e líderes empresariais produzem o tempo todo em diversas situações de comunicação como reuniões e eventos. Até sem saber que estão produzindo conteúdo.

Vou analisar dois exemplos de cada caso, um conteúdo mais complexo e profundo e outro simples e curto, para vermos como princípios de narrativa estão presente em ambos.

ANÁLISE DE HOJE: CONTEÚDO DE FATOS

Nessa categoria entram as matérias jornalísticas, pequenas e grandes reportagens, artigos, posts e qualquer conteúdo que envolva alguma apuração e/ou análise de fatos do cotidiano.

Não entro no mérito de ser produzido por jornalista ou não, afinal, hoje cada vez mais qualquer pessoa torna-se uma produtora de conteúdo e a consistência e credibilidade do que ela publica vai sendo validada pelo público com quem ela se comunica ao longo do tempo.

Exemplo #1: Reportagem “As Quatro Estações de Iracema e Dirceu”

Mais que uma grande reportagem que rendeu quatro dias de publicações em jornal, um hotsite, áudios de diário da repórter, fotos e vídeos na internet, esse trabalho fenomenal da repórter Ângela Bastos e do fotógrafo para o Diário Catarinense foi um grande projeto de narrativa.

Tive a oportunidade de conversar com a repórter que me relatou ter partido de uma motivação por contar a história de uma família que vive abaixo da linha de miséria de R$ 70 reais por mês por pessoa, quando entrou em contato com o Censo de 2010 que apontava diversas famílias vivendo nessa situação em Santa Catarina.

Iniciou-se, aí, um trabalho de pesquisa para encontrar os personagens dessa narrativa, que Angela estabeleceu como sendo pessoas de famílias grandes, que vivem no interior, de forma isolada. Ou seja, criou uma limitação, um universo narrativo que a levou a conhecer a família de Iracema e Dirceu, 14 filhos e uma renda média de R$ 54 por pessoa, na periferia de Caçador, meio oeste de Santa Catarina.

Mas havia também um desafio, que constituiria o principal conflito para essa narrativa: tendo essa família a renda mais baixa do Brasil, conforme a divulgação do Censo, o Estado precisaria se mobilizar para vencer essa miséria extrema e ajudar famílias como a de Iracema e Dirceu a superarem essa linha. A reportagem, portanto, ia acompanhar esse desafio, que não poderia ser vencido em pouco tempo.

Por isso, foi um trabalho de dois anos, sendo um ano inteiro dedicado a acompanhar essa família de agricultores muito ligados aos ciclos da natureza. Portanto, nasceu daí de contar essa história pela ótica das quatro estações do ano. Essa foi sua mensagem essencial.

O resultado pode ser conferido abaixo. Um trabalho primoroso em texto e pesquisa, que envolveu até a busca e o encontro com parentes distantes da família na Alemanha, de onde os antepassados de Iracema e Dirceu emigraram.

 

Exemplo #2: Post que satiriza o preconceito e se tornou viral

“Ok, então me dê bastante tempo, recursos e, assim, consigo construir uma narrativa com fatos?” Não necessariamente. Angela desenvolveu uma narrativa  verdadeira com profunda empatia, conflito, viradas e transformações.

Mas Dudley, em um nível bem menos profundo também construiu uma narrativa com esses princípios e com bem menos tempo e recursos. Assim como Angela, ele também estabeleceu um universo narrativo bem delimitado: uma foto tirada por ele em uma estação de metrô no Rio de Janeiro.

Dudley partiu, como Angela, de uma motivação, que ele compartilha nessa matéria de O Globo que repercutiu seu post: “Quis satirizar a vigilância sobre a sexualidade alheia.”

Embutido nessa motivação está um desafio cotidiano que qualquer um vive: superar o preconceito que age quase de forma instintiva dentro de cada um, com julgamentos e conceitos prévios (“pré-conceitos”) que geramos instantaneamente em nossas cabeças ao entrar em contato com alguma imagem.

O Facebook é a arena onde esses preconceitos não são apenas gerados como compartilhados. E a forma como Dudley construiu seu texto no post, levou muitas pessoas a caírem na armadilha que elas mesmo armam para si, pois muitos comentários denunciam um preconceito ao mesmo tempo que o praticam. Algo, infelizmente, muito comum nesse mundo onde somos bombardeados por informações de toda ordem e justificamos com “falta de tempo” essa nossa verdadeira falta de cuidado com as coisas.

A consequência? Muitos não se dão ao trabalho de uma leitura um pouco mais cuidadosa e atenta, que vá de fato até o fim de um texto. No caso desse post, só essa leitura atenta permite a compreensão de que o autor não se refere a um “desafio de convenções sociais” pelo casal de meninas, mas à pessoa que desrespeitava uma norma de segurança. As meninas, inclusive, foram citadas como exemplo de respeito à norma.

Nesse post, foram elas as protagonistas. O conflito é a “quebra de regras tradicionais”, que ele trabalha de forma dúbia no texto, levando a viradas que oscilam entre “não sou preconceituoso”, “não desejo mal a ninguém” a “isso é um absurdo”, “pode ser perigoso”, “se alguém morrer de quem é a culpa”? O clímax se dá com a revelação do verdadeiro alvo, da força antagônica dessa narrativa: a pessoa que desafia as convenções sociais ao esperar o metrô em cima da faixa amarela.

Essa narrativa nos leva a uma reflexão. Portanto, tem um papel de provocar um nível, mesmo que ainda superficial, de transformação. Não é a toa que, além das dezenas de milhares de compartilhamentos, o post repercutiu em diversos jornais brasileiros, na Europa e nos Estados Unidos.

Só que aí aparece um outro aspecto perverso das redes sociais. Não foi nem o post original de Dudley que foi compartilhado, mas de outra pessoa, o Nelson, que copiou a foto e o texto e o compartilhou sem dar o devido crédito a Dudley. Prova de que autoria em redes sociais é algo que cada vez menos pertence a um indivíduo, e está cada vez mais entrando na esfera do coletivo.

No próximo post, vamos falar de casos de conteúdo para marcas.
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