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O que Nanette nos ensina sobre o verdadeiro storytelling

Nanette, o stand-up comedy da australiana Hannah Gadsby, está dando o que falar desde sua estreia na Netflix, em junho deste ano. Em pouco mais de uma hora, Hannah nos oferece uma aula de storytelling ao contar em detalhes a sua própria narrativa.

A quebra de expectativa

Entre olhares divertidos e alguma expectativa por parte do público, Hannah Gadsby surge no palco. Habilidosa, logo de início ela consegue criar uma atmosfera confortável para a plateia, principalmente com comentários pontuais sobre o fato de ser lésbica, resgatando cenas de sua adolescência e ponderando o comportamento da sociedade com relação à homossexualidade na Tasmânia, onde nasceu.

Mas o que se vê no decorrer de sua apresentação não é apenas uma porção de piadas sobre a sua condição nem sobre sua pequena cidade natal. Utilizando de performance e storytelling, Hannah inverte a lógica da comédia e desperta no espectador quase tudo, menos aquela vontade de rir sem parar. Se uma das intenções de um stand-up comedy é a quebra de expectativa, pode-se dizer que ela superou e também quebrou qualquer expectativa.

Hannah optou por contar a sua própria história no palco, mas de forma que o espectador a acompanhasse muito além das partes consideradas “engraçadas”: que ele pudesse de fato imaginar e talvez sentir o que ela sentiu. Hannah começa gerando empatia para depois apelar à tensão. E nessa troca, sente-se livre para se expressar e trazer à tona assuntos importantes como sexualidade, gênero, machismo, misoginia e saúde mental.

Apoiada na história da arte, sua formação, Hannah consegue unir exemplos práticos dessas questões, e, do início ao fim, ficou claro para nós que toda a sua fala estava baseada em princípios de storytelling. Ou do contrário Nanette não teria despertado tanto interesse nem estaria sendo tão comentado…

Os princípios de storytelling na narrativa de Hannah Gadsby

Expressividade e presença acompanham Hannah durante todo o tempo em que passa no palco. Percebe-se que há uso dos 5 princípios de uma boa narrativa, e vamos detalhar agora cada um deles, bem como os momentos onde ocorrem:

1) Empatia: satirizando hábitos da população da Tasmânia, Hannah nos permite visualizar um pouco do que ela viveu, numa época em que ser homossexual era considerado crime em seu estado. Aqui, o público começa a imaginar se estivesse no lugar da comediante e a se conectar com a história.

2) Conflito: dentre várias situações, Hannah escolhe uma em particular para ser o conflito principal: a de quando foi confundida com um homem no ponto de ônibus pelo namorado de uma menina em quem ela estava de olho. Achando que Hannah era homem, o namorado se irrita, mas, percebendo que ela era mulher, lhe pede desculpas. Provocando risos, Hannah reforça a empatia.

3) Viradas: entre lembranças da época em que estudou história da arte e também do feedback recebido em suas primeiras apresentações, Hannah traz para a narrativa outras brechas, que se conectam com o fato de ser lésbica e com a reação do rapaz do ponto de ônibus, como ainda não ter tido coragem de se assumir para a avó, mesmo aos 40 anos, permitindo que o público se conecte ainda mais e se envolva.

4) Clímax: aqui é quando o desenlace da história do ponto de ônibus recompensa – e choca – o espectador que a ouviu até ali: a história não acabava assim tão bem. O namorado da menina, percebendo que ela era mulher, não a deixou em paz e também não lhe pediu desculpas: apelou para a violência. Ela conta que apanhou calada, sem revidar, porque naquela altura achava que merecia. Há um misto de raiva e empoderamento no tom da sua voz, surpreendendo o público, que se levanta e ovaciona, principalmente quando ela diz que “não há nada mais forte do que uma mulher ferida que se reconstruiu”. Ou seja: a transformação e a mensagem que ela traz torna a história ainda mais envolvente e verdadeira.

5) Mensagem essencial: de maneira forte e incisiva, Hannah faz com que a sua história soe uma experiência cheia de significados para o público, trazendo valores como respeito, autoestima, humanidade e bom senso. Subvertendo o tradicionalismo da comédia, ela enfrenta o humor autodepreciativo e afirma que rir não é o melhor remédio: o que cura são as histórias.

Não é difícil compreender o porquê de tamanho sucesso. A narrativa de Hannah é uma lição de vida.  

A mensagem que fica é a palavra que Hannah escolheu para encerrar Nanette, e que pode ser usada para definir não só todo o espetáculo e a reação causada no público, mas também um bom storytelling: conexão.

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